Quando madeireiros clandestinos entram na terra indígena Alto Rio Guamá, em geral não há ninguém por perto para flagrar a invasão. Se o sistema de alerta que os índios querem implementar der certo, porém, celulares farão o ruído das motosserras viajar dezenas de quilômetros e chegar até seus caciques.
Localizada no Pará entre duas rodovias estaduais, amplamente desmatada e invadida por madeireiros, grileiros e traficantes, a reserva foi o local escolhido por organizações que, em parceria com o governo paraense, implementarão o novo esquema de monitoramento.
O sistema consiste de uma rede de telefones celulares alimentados por energia solar. Escondidos nas copas das árvores, ficam programados para captar sons de caminhões ou motosserras e enviar alertas aos responsáveis por guardar a reserva.
O dispositivo feito com aparelhos doados e painéis fotovoltaicos baratos foi desenvolvido pelo engenheiro Topher White, da ONG Rainforest Connection.
Após obter sucesso num teste em uma reserva de 2 km2 na ilha de Sumatra (Indonésia), a ONG firmou acordos para levar a ideia a uma reserva ecológica nos Camarões, onde está agora trabalhando numa área de 100 km2, que espera cobrir usando menos de 40 celulares.
No começo de 2015, o sistema deve começar a ser implementado no Brasil, na terra dos tembés, que se estende por 2.800 km2 –quase o dobro do município de São Paulo. A ideia não é cobrir a área toda, apenas os pontos de acesso a áreas florestadas, já que madeireiras ilegais sempre começam a degradar a mata pelas bordas.
A Rainforest Connection não dispensa praticamente nenhum aparelho doado. "Os que temos nas árvores agora são todos Android, por causa de uma limitação de programação que vamos solucionar em breve", diz o engenheiro. Aparelhos iPhones e Blackberrys doados são usados pelos agentes em campo, que recebem os alertas e coordenam ações in loco.
DESAFIOS TÉCNICOS
White precisou superar dois desafios técnicos para implementar sua ideia. Como fazer painéis solares
funcionarem no ambiente de sombra sob o dossel da floresta? E como fazer telefones celulares de sistema GSM operarem em áreas de baixa ou nenhuma cobertura?
O primeiro problema é que painéis fotovoltaicos precisam de luz em toda sua superfície para gerarem corrente elétrica. Uma pequena sombra pode cortar a energia.
Para operar com a luz fragmentada de raios solares que atravessam a copa das árvores, foi preciso fragmentar também os painéis. Em vez de um captador grande, White liga painéis pequenos ao celular de forma que algum deles sempre esteja coberto de luz. Isso é possível porque o dispositivos de escuta foram otimizados para operar com pouca eletricidade.
O problema do sinal de celular na floresta teve soluções mistas. Em primeiro lugar, o engenheiro se deu conta de que as áreas da mata que tendem a ser cobertas são aquelas próximas a estradas –justamente as mais vulneráveis à extração ilegal de madeira.
Essa coincidência resolveu o problema em Sumatra, mas o território dos tembés tem várias áreas descobertas.
No ano passado a ONG ECAM (Equipe de Conservação da Amazônia) firmou uma parceria com White e visitou a reserva dos tembés para estudar a situação. O que descobriu foi que os próprios índios já tinham aprendido a construir antenas de médio porte para ampliar o alcance de seus celulares.
"A Rainforest Connection está chegando com o topo da tecnologia, mas a comunidade indígena já tinha achado uma série de soluções para um problema que nós tínhamos identificado", conta Vasco van Roosmalen, da ECAM.
REAÇÃO
"Ficamos animados, porque esse sistema facilitaria nosso trabalho de vigilância", disse Puyr Tembé,
coordenadora indígena do Alto Rio Guamá. "Se recebermos um sinal de alerta que nos mostra onde está sendo retirada madeira, sabemos o que fazer. Recorremos à Funai, que recorre à polícia."
Conflitos entre madeireiros e índios na região são frequentes. Em agosto deste ano, madeireiros que trabalhavam ilegalmente em uma terra indígena da etnia kaapor foram amarrados e agredidos por índios antes de serem expulsos da reserva Alto Turiaçu, no Maranhão. Os índios criaram até um "exército" com 150 pessoas contra os madeireiros.
Já em 2012, um grupo de fiscais do Ibama acompanhados de um cacique tembé foi recebido a tiros por mais de cem madeireiros armados durante uma tentativa de flagrante. O líder indígena conseguiu fugir, mas ficou desaparecido por três dias.
É nesse cenário de conflito que o sistema de escuta na floresta deve ser implantado. "No final das contas, quem faz a nossa segurança somos nós mesmos", diz Puyr.
Fonte: Folha de São Paulo
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