Feliz com o acesso do Santa Cruz para a Série C em 2012, treinador comenta resgate da autoestima da equipe e almeja conquistas maiores.
Dez meses. Este foi o tempo que o técnico Zé Teodoro precisou para marcar o seu nome na história do Santa Cruz. Como principal maestro do Tricolor pernambucano, sua segunda casa desde dezembro do ano passado, ele recolocou o clube na rota das decisões, das classificações e das conquistas. Apesar de já ter conquistado o Estadual deste ano e o acesso à Série C, o treinador quer mais. A próxima meta não é está muito longe. Em quatro jogos, Zé Teodoro pode fazer o Mais Querido levantar o seu primeiro troféu nacional: o da Série D do Campeonato Brasileiro de 2011.
- Nós não vamos nos contentar com pouca coisa, não. Vamos brigar pelo título da Série D e continuar buscando os resultados. Vamos chegar mais longe ainda e, daqui para a frente, será só alegria. O Santa Cruz vai brigar pelo título da Série D, pelo título do Pernambucano 2012, pelo acesso para a Série B e vai subir. Esta torcida merece um time de primeira divisão, por isso vamos melhorar cada vez mais – afirma Zé Teodoro.
O título da Quarta Divisão seria o sexto da carreira de Zé Teodoro como treinador. Além dos Pernambucanos deste ano e de 2004 (pelo Náutico), constam no currículo do técnico dois Campeonatos Cearenses (em 2006 pelo Ceará e em 2010 pelo Fortaleza) e uma taça da Copa Centro-Oeste (em 2009, pelo Gama). Como jogador, Zé Teodoro também tem várias conquistas para se orgulhar. Pelo São Paulo, o lateral-direito foi bicampeão brasileiro (em 1986 e em 1991). Vestindo a camisa do Goiás, conquistou o Estadual três vezes (1981, 1982 e 1985). Além disso, esteve presente no grupo da Seleção Brasileira que levantou o troféu da Copa América de 1989.
Em uma entrevista exclusiva ao GLOBOESPORTE.COM, Zé Teodoro relembrou fatos marcantes da sua carreira como jogador e treinador e explicou por que recusou 11 propostas para deixar o Santa Cruz neste ano.
Como mostrar a um time em crise o caminho das vitórias e conquistas novamente? Qual é o segredo de Zé Teodoro?
ZÉ TEODORO: O segredo é transparência, seriedade, honestidade, trabalho e montar um grupo e valorizar o pessoal da casa, resgatando as condições desses meninos que queriam vencer. Recuperei também muitos jogadores que vinham de cirurgia, que estavam parados ou na reserva, mas eu os conhecia e sabia que eles podiam chegar para ajudar o clube. E lógico, exigir melhorias no clube. Tudo isso foi uma aposta, e acreditaram nesse projeto. Isso fez com que a gente abraçasse a causa. Encontramos muitas dificuldades para contratar porque ninguém queria vir para a Série D. Ninguém quer sair da B para a D, quer sim é sair da D para a B. Então a gente trabalhou muito, foi um trabalho coletivo da diretoria e da comissão técnica e dos jogadores, que acreditaram na nossa proposta. Foi assim que as coisas começaram a dar resultado.
O que lhe chamou a atenção no projeto do Santa Cruz para aceitar o desafio de treinar uma equipe que, desde 2009, disputava a Série D?
Primeiro foi o convite que eu tive do Sandro (Barbosa, atual assistente técnico do Santa Cruz). Vim por indicação dele, que brigou com Deus e o mundo, com o colegiado e as facções políticas do clube, para poder me trazer. E me trazer numa situação em que o clube não tinha dinheiro. Eu estava acostumado a trabalhar na Série B, onde recebia luvas e salário adiantado do último mês. Mas nós viemos para tirar o time lá de baixo, da lama, para ressurgir das cinzas, mesmo sem recursos, sem dinheiro, sem jogador, sem nada. Então, apostamos e, através dos resultados, as coisas foram se encaminhando e conseguimos o sucesso. Hoje melhorou o clube em todos os aspectos, funcionários e jogadores recebem em dia.
Quantas propostas você recebeu, durante esta temporada, para deixar o Santa Cruz? E por que decidiu recusá-las?
Eu tive propostas para sair, mas já tinha aberto um compromisso, um vínculo com os jogadores, com o Sandro e a comissão. Na realidade, eu fiquei mais pelo torcedor. Eu não conseguia ver mais o torcedor como nas imagens que eu vi da desclassificação do time na Série D nos outros anos. O time estava com a autoestima baixa, sem respeito, por baixo. O Salgueiro estava com mais moral que o Santa Cruz. Então a gente resgatou esse respeito e isso que me fez enfrentar essa missão. Eu disse: eu vou lá para ser campeão, para subir o time. Tive onze propostas, da Série B, da Série C e do futebol goiano, mas queria mostrar para os torcedores que nós tínhamos condições de mudar essa história de traumas.
De todos os clubes que você já treinou, a torcida que mais o impressiona é a do Santa Cruz? Como você lida com o carinho dos torcedores corais que o chamam até de Zé ‘Teadoro’?
A torcida pesou muito na minha permanência no clube. Eu não consigo me ver trabalhando no Duque de Caxias ou no São Caetano, que não têm torcida. Gosto de cobrança e de pressão, de domingo lotado. É uma coisa que é natural da minha característica, do meu jeito. Gostaria de trabalhar nesses clubes todos, mas eu prefiro trabalhar com cobrança, com pressão, com esse tipo de comportamento do que trabalhar com um clube que não tem torcida.
Como a conquista do Estadual contribuiu para o grupo do Santa Cruz acreditar no acesso e conquistá-lo?
O trauma, a desilusão, a dificuldade, aquela situação do clube de ficar cinco anos só na descendência, diante disso a gente marcou história. Eu, o grupo, a comissão técnica, a diretoria, todo mundo. A gente usava o trampolim da Copa do Brasil e do Pernambucano para a Série D. Sabíamos que corríamos por fora, tínhamos um time inferior em investimentos e sabíamos das nossas limitações, mas nunca deixamos de acreditar que podíamos surpreender. Nós surpreendemos a tudo e a todos, com a folha mais baixa que o Sport e Náutico, mas com jogadores comprometidos e baratos, que queriam o seu espaço. Para fazer o trabalho na Série D e nos próximos anos, teríamos que fazer uma base, por isso mesclamos jogadores da casa com os de fora. Foram jogadores bons, bonitos e baratos que nos trouxeram esse resultado e hoje o clube encontra uma repercussão no Brasil inteiro e no mundo.
Você conquistou o Estadual pelo Náutico em 2004 e pelo Santa Cruz neste ano, além de conquistar o acesso à Série C pelo Tricolor. Pode-se dizer, então, que Pernambuco tem uma importância especial na sua carreira?
Sem dúvida, foi o começo de tudo. No Náutico, eu comecei do zero, montamos um time, fomos campeões, fomos para a Série B e nos classificamos com oito rodadas de antecedência. Depois fui para o Sport, mas peguei um grupo montado por outros treinadores e não deu certo. Mas eu tive uma boa passagem pelo Ceará, por três anos trabalhei em Fortaleza e fui campeão cearense. Então, o Nordeste realmente tem sido importante para mim. Tem gente que fala que eu estou me tornando o Rei do Nordeste e até me chamam de “Muricy do Nordeste”. É uma região que está me dando sorte e estou podendo realizar um bom trabalho.
Para ficar marcado na história dos três grandes clubes de Pernambuco, falta ainda um título estadual pelo Sport...
Quem sabe, né? Na vida, tudo pode acontecer. Mas hoje o que eu posso falar é que eu tenho uma passagem positiva pelo Náutico e pelo Santa Cruz. A do Sport, eu não posso falar, mas tudo é questão de oportunidade. Um dia, posso ter a chance de realizar um bom trabalho lá.
Além das três maiores equipes de Pernambuco, você já comandou times do futebol goiano, cearense, paulista, entre outros. As dificuldades são as mesmas ou mudam de uma região para outra?
Mudam, sim. Você precisa conhecer o leque de jogadores de todos os mercados. Para você fazer um bom trabalho, você tem que conhecer o clube, qual é a estrutura, a equipe. Então tudo isso é uma dificuldade e o treinador precisa de tempo. Quando se tem tempo de escolher, de montar o grupo, tudo isso é mais viável para o treinador.
Você jogou no Goiás de 1981 a 1985 e conquistou três títulos estaduais. O que você recorda dessa sua passagem pelo futebol goiano?
Fui formado no Goiás, onde fiquei de 72 a 84. Eu conquistei três Campeonatos Goianos como jogador e fiquei por lá até os 20 anos. É a casa onde fui formado. Fui criado lá dentro e lá cheguei à Seleção Brasileira juvenil, depois fui tricampeão na França pela seleção de novos e disputei o Campeonato Brasileiro pelo Goiás, o começo de tudo. Mas realmente como jogador fiquei mais conhecido foi no São Paulo, para onde fui em 85 e conquistei dois Brasileiros e três Campeonatos Paulistas.
Por falar no São Paulo, foi jogando com a camisa tricolor que
você se tornou bicampeão brasileiro. O que você se lembra do grupo que
conquistou esses títulos?
Era chamado do time dos Menudos porque eram todos jovens. As
contratações foram escolhidas a dedo, foi mantida a base dos jogadores
mais experientes, mas foi mesclada com jogadores formados. E aí revelou
jogadores como Silas, Müller, eu, Gilmar. Foi uma época de ouro, em que
ganhávamos tudo. Depois chegaram o Falcão, Careca, Peter, Oscar e Darío
Pereyra.
E a sensação de fazer parte da Seleção que conquistou a Copa América de 1989?
Eu fui para a Copa América, mas não joguei. Estava machucado. Era para
ser titular e, posteriormente, ir para a Copa do Mundo. Mas o Mazinho,
que foi lançado, foi para a lateral, deu certo e eu perdi a
oportunidade. Mas o grupo nosso era Romário, Careca, Bebeto, Dunga,
então nós tivemos muita gente boa naquela época, o próprio Mazinho e o
Taffarel. Montamos um grupo bom e todos eles, a maioria, disputou a Copa
do Mundo de 1990.
Queria mostrar para os torcedores que nós tínhamos condições de mudar essa história de traumas"
Zé Teodoro
Quais os momentos mais marcantes, de felicidade e de tristeza, enquanto era jogador? E na sua carreira como técnico?
Fico feliz de ter jogado num clube igual ao São Paulo. Foi onde eu
conquistei tudo e ganhei tudo na minha carreira. Tudo hoje devo ao
futebol e ao São Paulo, também ao Goiás, porém mais ao São Paulo. E
ainda teve a Seleção Brasileira. Depois passei para a carreira de
treinador, que é uma cachaça que está no sangue. Eu gosto de comandar,
do trabalho de campo, de desafios, de missão impossível e de trabalhar
por objetivo. Sou um treinador que, apesar de ter 48 anos, já tenho
vários títulos e estou subindo gradativamente para chegar para ficar num
clube grande. Ainda não consegui trabalhar num time de ponta, mas quero
chegar lá preparado, este é meu pensamento.
Você teria feito algo diferente na sua carreira ou se arrepende de algo?
Não me arrependo de nada. Sempre gosto de tentar novamente, de buscar,
de ser audacioso. A tônica da minha vida, como jogador e treinador, é
alcançar, buscar, é a conquista.
Esta pergunta agora é direto do Baú do Esporte. É conhecida uma
história de que, durante um jogo entre São Paulo e Santos, no começo
dos anos 90, você teve de usar da velocidade para não ser alcançado por
Serginho Chulapa, do Peixe, que queria tirar satisfação pelas faltas
duras que você cometeu em Sérgio Manoel durante a partida. O que você
recorda dessa partida?
Foi num jogo no Pacaembu, numa confusão que teve. O Serginho Chulapa
tomou as dores de Sérgio Manoel e partiu para cima, pois queria me pegar
de qualquer jogo. Então eu corri para dentro do vestiário. Na época,
ele era um negrão daquela altura, com 1,90m, e já com histórico,
imprevisível e tudo. Então eu corri, fui para o vestiário e ninguém me
segurou, não. Foi uma coisa que, na época, marcou porque ele já tinha
feito com o Leão, com o Mauro. Fora do campo, ele era uma mãe; mas,
dentro do campo, ele se transformava.
Treinador ou jogador: qual carreira no futebol é mais complicada?
A mais difícil é a de treinador. A de jogador é muito mais fácil. O
treinador tem muita responsabilidade, tem que cuidar de vários setores,
são 40 cabeças mais assessoria de imprensa, departamento médico, os
dirigentes. É campo, é vestiário, é fisioterapia, é muita coisa e
participo de tudo. Eu sou assim de olhar o campo e, se está estragado,
eu quero mandar arrumar. Eu sou mais ou menos no estilo do Telê, ele era
enjoado com tudo e eu gosto de estar atento a todos os detalhes.
Como é o Zé Teodoro no dia a dia, fora do futebol?
Sou muito família, gosto de ficar dentro de casa e saio, às vezes, para
ir para o cinema, para andar, caminhar. E, quando estou em Goiânia,
gosto de curtir a minha fazenda, de andar a pé e a cavalo. Gosto da
minha música sertaneja, da pelada com os amigos. Sou uma pessoa que se
relaciona bem com todo mundo, gosto de estar entendendo todo mundo. Em
todo lugar que eu vou, desde a cozinheira até o presidente, eu trato
todo mundo bem. Minha vida é esta, é a maneira simples de ser deste
goiano criado na Bahia.
Fonte: Globo Esporte